10-Abr-2006 Greenpeace lança simultaneamente no Brasil, na Europa e nos EUA estudo que aponta a expansão da soja como principal culpada pelo desmatamento da Amazônia. Campanha da ONG quer constranger empresas européias a não comprar, e consumidores a não comerem alimentos derivasdos da soja amazônica. McDonald’s foi alvo principal.
Verena Glass - Carta Maior
SÃO PAULO – A Campanha Internacional de Florestas do Greenpeace lançou nesta quinta (6), de forma simultânea na Europa, nos EUA e no Brasil, um relatório resultante de três anos de investigação que aponta não mais a indústria madeireira, velha vilã do desmatamento, mas a expansão da soja como principal vetor da destruição da floresta amazônica no Brasil.
O estudo, que incluiu várias expedições ao arco do desmatamento – região que se estende do sul do Pará ao norte do Mato Grosso, incluindo áreas do Tocantins, Maranhão e Rondônia -, entrevistas com comunidades afetadas e análise de imagens de satélite, avançou para além do registro da devastação e dos impactos sócio-ambientais. Com o objetivo de cobrir todos os aspectos da cadeia da soja da Amazônia, foram colhidos dados sobre exportação, comercialização e processamento da soja, incluindo o monitoramento de navios para o mercado internacional e o destino final do produto, os alimentos consumidos pela população européia.
Segundo a ONG, o relatório, que, no Brasil, se concentra na ação de três das maiores multinacionais do agronegócio - Archer Daniels Midland (ADM), Bunge Corporation e Cargill -, traz “o retrato de uma indústria vigorosa e devastadora, e inclui novas evidências da responsabilidade das empresas norte-americanas e do papel involuntário de consumidores europeus na destruição da floresta, na grilagem de terras, expulsão de comunidades locais e uso de trabalho escravo na Amazônia”.
Na Europa, o estudo se concentrou no sistema de compra, distribuição e processamento da soja, e nas empresas envolvidas nesta cadeia.
AVANÇOS DA SOJA
O avanço da soja sobre a floresta amazônica, depois de ter tomado e destruído praticamente todo o cerrado do Centroeste brasileiro, teve um boom a partir de 2003, quando o mal da vaca louca na Europa multiplicou a demanda pelo grão para alimentação animal. Campeão nacional de produção de soja, o Mato Grosso, depois das áreas de cerrado, pôs abaixo grande parte da floresta amazônica do seu território, tornando-se também o campeão de desmatamento e queimadas (48% do total) em 2003.
Outro ponto focal do avanço da soja é o entorno das rodovias que permitem o escoamento da produção, como a BR 163, que liga Cuiabá, no MT, a Santarém, no PA, e que deve ser completamente asfaltada num futuro próximo, segundo promessas do Governo Federal.
“Oitenta e cinco por cento de todo o desmatamento ocorre nos 50 quilômetros de cada lado das rodovias. Nos últimos anos, a produção de soja ao longo da parte pavimentada da BR-163 saltou de 2,4 mil hectares em 2002 para mais de 44 mil hectares em 2005 – um crescimento de quase 20 vezes em três anos. Os grandes desmatamentos terminam junto com o asfaltamento da estrada, ao sul da divisa com o estado do Pará. Tanto a Cargill quanto a Bunge têm comprado soja de fazendas localizadas na área de influência da BR-163. Pior: Cargill, ADM e Bunge são parceiras no financiamento do projeto de US$ 175 milhões para pavimentar o restante da estrada, acelerando o acesso ao novo porto graneleiro construído ilegalmente pela Cargill em Santarém”, afirma o relatório do Greenpeace.
Também de acordo com o estudo da ONG, “uma segunda rodovia da soja, construída ilegalmente, se estende por 120 quilômetros, saindo da cidade de Feliz Natal, no Mato Grosso, até terminar de forma abrupta na fronteira oeste do Parque Indígena do Xingu. Tanto a Cargill quanto a Bunge construíram silos com capacidade para armazenar 60 toneladas de grãos nesta ‘estrada para lugar nenhum’. Além disso, oferecem crédito e mercado garantido para qualquer fazenda já desmatada na região.Nos dois últimos anos, mais de 40 mil hectares de soja foram produzidos perto desta estrada e o Greenpeace descobriu outros 99,2 mil hectares para venda na internet. Documentos mostram que tanto a Cargill quanto a Bunge estão comprando soja destas novas áreas. Análise das imagens de satélite mostram que os impactos da rodovia da soja devem se estender por mais de 1 milhão de hectares de florestas da região. Este número contabiliza apenas os impactos diretos do desmatamento. Os impactos indiretos produzidos por grandes quantidades de produtos químicos e pelo crescimento populacional devem ser ainda maiores”.
PASSIVO SOCIAL
Paralelamente ao estudo, o Greenpeace também realizou um documentário focado no impacto social da expansão da soja, principalmente na região Sul do Pará, onde, após a construção ilegal do porto graneleiro da Cargill em Santarém, e a promessa de asfaltamento da BR 163, o assédio de sojicultores sobre as comunidades locais, tradicionais e indígenas tem levado a recordes de conflitos de terra e assassinatos de trabalhadores rurais.
Na maioria dos casos, mostra o documentário, ocorre a expulsão – consentida ou violenta – dos pequenos agricultores de suas terras, incorporadas às fazendas de soja. Ao venderem seus sítios, com os recursos da transação os agricultores passam a viver nas periferias dos centros urbanos, como Santarém, aprofundando rapidamente o processo de favelização destas áreas. Mas também são cada vez mais comuns os ataques às famílias que se negam a vender, com ameaças de morte e destruição das casas.
No estudo, outro exemplo do passivo social da sojicultur apontado pelo Greenpeace são casos como o da Fazenda Membeca, no Mato Grosso, que, desde 2003, “tem promovido o desmatamento ilegal de mais de 8 mil hectares de florestas da Terra Indígena Manoki, e continua a desmatar novas áreas para expandir sua plantação de soja. Tanto a Cargill quanto a Bunge instalaram silos em Brasnorte e têm comprado soja da Fazenda Membeca”.
Fruto de uma parceria com a ONG Repórter Brasil, especializada na temática do trabalho escravo no país, o estudo do Greenpeace relata também os casos das fazendas Roncador, onde foram libertado, entre 1998 e 2004, 215 trabalhadores escravos, Vale do Rio Verde, onde os agentes federais encontraram 263 trabalhadores escravos em junho de 2005, Vó Gercy e Tupy Barão, todas no MT. Segundo as duas ONGs, as multinacionais Cargill e ADM continuaram comprando a produção destas fazendas mesmo depois do indiciamento por prática de trabalho escravo.
“COMENDO A AMAZÔNIA”
Ao mesmo tempo em que divulgou o relatório, chamado de “Comendo a Amazônia (eating up the Amazon)”, em vários países europeus e nos EUA, o Greenpeace lançou uma campanha na Europa que visa constranger as empresas que compram a soja da região, bem como a população que consome alimentos derivados. Segundo a ONG, isto não seria complicado, já que a rota da exportação é basicamente Santarém-Holanda, de onde ocorre a distribuição para o resto do continente.
A campanha exige que as empresas envolvidas no comércio de alimentos e ração animal devem garantir que não estão usando soja da Amazônia, e que grandes traders, incluindo a Cargill, ADM e Bunge, parem de comprar soja produzida na Amazônia e assinem o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Também demanda que os bancos deixem de financiar empresas envolvidas no comércio de soja da Amazônia, e que os governos europeus apóiem as políticas públicas brasileiras de implementação de unidades de conservação na região.
Em relação aos consumidores, o Greenpeace investiu com sua conhecida criatividade contra a rede McDonald’s, cujos produtos de frango, principalmente na Inglaterra, são produzidos a partir da avicultura da empresa Sun Valley, concessionária da Cargill. No país, segundo a ONG, dezenas de frangos de dois metros de altura invadiram várias lanchonetes da rede e se acorrentaram às cadeiras. Na Alemanha, ativistas vestidos de Ronald McDonald’s segurando motosserras, protestaram nas lojas e na frente da sede européia do departamento de assuntos ambientais do McDonald’s.
“O McDonald’s está estimulando um comércio que está destruindo a Amazônia. A Floresta esta sendo derrubada para o plantio de soja que alimenta os animais da Europa. Toda vez que você dá uma mordida num Chicken McNugget, você pode estar mordendo um pedaço da Amazônia”, afirmou Pat Vendetti, coordenador do Greenpeace em Londres.